Vigilante Eterno - Capítulo 18
— E então, vocês entenderam o que é para ser feito? — perguntou Fang a um grupo de 5 híbridos, todos semelhantes a macacos.
Todos eles estavam em um pequeno cômodo mal iluminado que cheirava a frutas podres, as quais jaziam em um monte no canto da sala.
— Dá para você explicar o plano de novo? — perguntou um dos híbridos. Sua mandíbula pendia meio aberta, o que dava a ele uma aparência de estúpido. — Eu não entendi nada do que você disse.
— Verdade, chefe, eu também não entendi muito bem — disse outro membro do grupo, o maior deles. Seu rosto era quadrado e ossudo, sempre carregado com uma expressão fechada.
“Tsc! Eu trabalho com um bando de imbecis que não sabem limpar a própria bunda.” pensou Fang consigo mesmo, contendo ao máximo a própria raiva que sentia por aquele grupo. Todos os 5 eram irmãos antes de se transformarem em híbridos, mantendo a relação familiar mesmo após a transformação.
— Certo, eu vou repassar todo o plano de novo, mas dessa vez prestem a atenção ou eu juro que vou estripar todos vocês — disse Fang, em um tom ameaçador.
O grupo de primatas reagiu à fala de Fang com pavor, mas não com surpresa, já que era comum Fang ameaçar os outros pelos motivos mais banais possíveis.
— O objetivo do grupo é ir até a cerca…
— Podemos ir pelas copas das árvores? — interrompeu o menor membro do grupo e também o mais eletrizante. Durante toda a fala de Fang, ele não parava de mexer suas pernas, maluco para partir para a ação.
— Sim… — Era possível ouvir as pressas de Fang roçando uma na outra, como se ele estivesse as amolando para cortar a carne daqueles macacos. — Façam do jeito que quiserem.
— O que vocês têm que fazer é muito simples, MUITO SIMPLES! — berrou Fang ao ver que um dos macacos estava prestes a cair no cochilo. — Eu juro que se você cair no sono mais uma vez enquanto falo, irei te empalhar e colocar na minha sala.
— Foi mal, chefe… — disse o macaco sonolento, com uma voz arrastada, como se estivesse prestes a cair no sono a qualquer momento. — Sabe, é que eu não tenho dormido bem ultimamente.
— Todas às vezes que eu te encontro no ninho, você sempre está dormindo, TODAS ÀS VEZES — berrou Fang, ao ver o macaco pender para o lado, quase desabando no chão.
— Desculpe, chefe — disse o último membro do grupo, um macaco esguio que usava um óculos fundo de garrafa. — Meus irmãos não são um poço de inteligência, mas são ótimos no que fazem. Por favor, perdoe os seus comportamentos e prossiga com seu plano.
Fang ficou impressionado com a educação e maneira formal de falar daquele híbrido em específico.
— Tudo o que o grupo de vocês deve fazer é ir até a floresta, chegar o mais próximo possível da cerca e se certificar que nenhum macaco sem pelo tenha atravessado ela.
— Macaco sem pelo? — perguntou o hibrido imbecil.
— É como nos referimos aos humanos, irmão — respondeu o macaco de óculos. — Continue, chefe, por favor.
— Caso encontrem algum desses humanos, voltem o mais rápido possível para o ninho e avisem-me. Lembre-se, avisem somente a mim! — Fang parecia nervoso ao vociferar aquelas palavras. — Não quero que o mestre crie mais preocupações do que já tem. Seu eu souber que vocês contaram a mais alguém além de mim, eu juro que…
— Certo, entendido — interrompeu o híbrido intelectual. — Faremos como o senhor pediu, não é pessoal?
Os outros 4 macacos responderam ao mesmo tempo, com um “URAH”. Logo após isso, eles partiram para fora da antiga fábrica, escalando pelos canos presos nas paredes até a saída da construção colossal.
Já fazia 2 dias desde que o grupo de Vidal havia entrado no paraíso perdido. A neblina não havia sumido desde então e nem dava sinais de que iria sumir em um futuro próximo. O clima úmido e abafado da floresta fazia os tripulantes do barco sentirem que estavam derretendo, sempre estando encharcados de suor por conta do calor insuportável.
— Eu juro que vou me jogar nessa porcaria de rio! — gritou Poti, como se ameaçasse alguém.
— Por favor, não faca isso — disse Maycon, de peito desnudo e camisa pressa em volta da cabeça. — Eu não quero que o barco fique fedendo a peixe.
— Vai se FODER! — disse Poti, dando início a mais uma discussão sem fim entre os dois.
Vidal e Aline estavam lado a lado do outro lado do convés. A jovem vigilante parecia abatida, estando o tempo todo calada, olhando fixamente para o horizonte.
— O que foi? — perguntou Vidal, preocupado com o estado da colega. — Desde que chegamos nesse lugar, você parece diferente.
— … — Aline não falou imediatamente, ficando alguns segundo em silêncio antes de responder à pergunta. — Eu apenas estou pensando.
— Pensando sobre o quê?
— As memórias do escavador. — Ao escutar essa frase de sua colega, Vidal mostrou grande espanto. — Elas ficam passando pela minha mente, como recortes uma vida passada.
— Não posso nem imaginar como isso dever ser desconfortável.
— Não, não é por isso. Eu já me acostumei a ver as memórias de outras pessoas. O que me deixou intrigada foi que essas memorias estavam… — Aline parou por alguns segundos, como se estivesse pensando quais palavras usar. — “Escondidas”. Elas estavam perdidas em um emaranhado de memórias mais recentes de quando ele já havia se transformado em um híbrido. Era como se a sua própria mente estivesse tentando esconder seu passado humano, ou tentando apagá-lo.
— O que você acha que pode ser isso? — perguntou Vidal, mais curioso do que antes.
— É apenas uma teoria, mas eu acho que ele tenha sofrido uma espécie de lavagem cerebral. É a única resposta que encontrei.
— Isso é possível? — Vidal estava atônito, não sabia como reagir sobre aquilo.
— Sim, se o individuo que fez isso tiver habilidades semelhantes às minhas, é totalmente possível.
— Isso explicaria o do porquê eles serem tão devotos a quem quer que seja o seu chefe.
Algumas horas se passaram, a neblina começou a se dissipar a medida que avançavam floresta adentro até sumir completamente, dando brecha os raios de sol, que não eram vistos pela tripulação desde que haviam entrando naquele lugar.
— Venham, venham todos! — gritava Maycon, suspendendo um balde com diversas latinhas de cerveja. — Temos que comemorar.
— Onde você conseguiu isso? — perguntou Poti, sentado no banco da cabine de piloto.
— Aqueles marinheiros safados escondem cada coisa na dispensa — disse Maycon, soltando uma gargalhada estridente logo em seguida, enquanto abria uma latinha. — Vamos, cara de bagre, eu não vou conseguir tomar tudo isso sozinho.
— Não, valeu — disse Poti, empurrando a latinha para longe. — Eu não bebo em serviço.
— Depois fica bravo porque ninguém chama você para as festas — disse Maycon, indo até a dupla de jovens vigilantes. — Vocês já são maiores de idade, não são?
Aline apenas ignorou o irmão. Ela estava com os olhos fechados e ambas as mãos na testa. Estava se comunicando telepaticamente com a sua harpia, a qual chamava de uiraçu. A harpia havia acompanhado o grupo pelos céus desde o início da viagem, mas devido à neblina, era impossível para ela encontrar a embarcação. Agora que o céu estava limpo, ela finalmente poderia voltar para as mãos de sua parceira.
— Ela vai demorar até chegar aqui, é melhor eu aproveitar esse tempo e ir descansar — disse Aline, se dirigindo até o beliche no interior da embarcação.
Maycon virou a latinha em direção a Vidal, que também rejeitou a bebida.
— Vocês são tão sem graça, mas é melhor assim. Irei me esbanjar desse bebida gelada enquanto vocês derretem nesse calor.
A cerca de 50 metros do barco, o grupo de híbridos vinha a toda velocidade cortando a mata pelas copas das árvores. Todos eram exímios escaladores de árvores, até mesmo o mais preguiçoso deles, mas o que mais se descava era o mais novo, que ia sempre na frente, contrariando as ordens do mais velho.
— Vá com calma, irmão — alertava o hibrido de óculos, o líder e o mais velho do grupo. — Não queremos chamar atenção.
O irmão mais novo ignorou os conselhos do mais velho e seguiu em frente, até chegar ao rio que levava até a cerca.
— Achei, achei — gritava o caçula do grupo, feliz por te sido o primeiro a chegar até o rio.
Devido a sua alegria excessiva, ele demorou para perceber algo de estranho no horizonte, bem ao longe. Algo flutuava na beira do rio, preso em uma árvore por uma corda para não ser levado pela correnteza. Era o barco dos vigilantes.
“Imagine se eu conseguisse capturar eles sozinho. Com certeza seria recompensado pelo mestre. Poderia ser até mesmo promovido a líder do grupo.” esses pensamentos inundaram a mente do jovem hibrido, que estava cego pelo desejo de poder.
Já decidido e indo contrario as ordens de seus irmãos, ele partiu em direção à embarcação ancorada na beira do rio. Ele foi se aproximando de forma ligeira, mas silenciosa, como foi treinado pelos irmãos.
Por entre as folhas espessas da copa da árvore a qual estava trepado, ele viu a figura isolada de um homem deitado no convés do barco, rodeado por latinhas amassadas. O homem, que se tratava de Maycon, parecia estar em um sono profundo.
— Essa é minha chance — cochichou o hibrido para si mesmo, aproximando-se furtivamente do barco, indo em direção ao homem.
Ao subir no convés, ele foi recebido por um cheiro forte de álcool. Não se deixando abater pela náusea causada pelo mau cheiro, o jovem desembainhar a faca que carregava presa na cintura.
A passos curtos e delicados, ele foi se aproximado do homem, que era 2 vezes o seu tamanho.
“Ele deve ser forte o suficiente para me quebrar em dois. Tenho que ser rápido com isso.” pensou o hibrido, suando frio. Suas mãos tremiam de nervosismo. Era a primeira vez que encarava um inimigo cara a cara
Ele levantou o punhal por cima de sua cabeça, preparado para apunhalar o homem no peito.
“É AGORA!”
A lamina desceu com uma velocidade assustadora em direção ao peito desprotegido do humano, mas antes que pudesse sequer chegar perto de sua presa, o hibrido percebeu os olhos do homem abrirem.
Antes que pudesse reagir, o jovem macaco já estava no chão após receber uma rasteira de Maycon, que se levantou abruptamente e prendeu a mão do híbrido que segurava o punhal por entre sua bota.
— É melhor você largar a faca antes que eu faça você engolir ela — disse Maycon em um tom ameaçador, apertando a mão do jovem que berrava de dor.