Vigilante Eterno - Capítulo 2
Há muito tempo, antes da aparição daquelas “coisas” por aquelas bandas e consequentemente a construção da cerca, aquela era uma região pacífica e muito populosa. Os moradores viviam suas vidas normalmente, se preocupando apenas se conseguiriam pagar as contas no próximo mês. Não havia o que temer, aliás, os tais monstros que muitos achavam se tratar apenas de lendas, supostamente, viveriam na parte obscura da floresta conhecida como o “Paraíso Perdido”, uma região desconhecida muito distante da civilização.
Várias lendas rodeiam essa área, estórias como a suposta cura para todas as doenças, frutas capazes de saciar a maior das fomes, a fonte da imortalidade e outras estórias inventadas pelos moradores locais.
A verdade é que ninguém sabia ao certo se as lendas eram reais ou não, já que aquela região era impossível de ser totalmente catalogada, mesmo com a tecnologia atual. Se perder lá é muito fácil devido à densidade monstruosa da floresta. Muitos dos exploradores loucos o suficiente para se aventurarem no meio daquelas matas, nunca mais retornaram para contar a história, e os poucos que sobreviveram voltaram completamente insanos.
A situação mudou há 19 anos atrás quando criaturas, que até então não passavam de folclore, começaram a aparecer por aquela região. Não se sabe o motivo da aparição repentina desses seres, só se sabe das consequências fatais que isso causou na vida daqueles moradores. Diversos mortos e feridos, os que sobreviveram ficaram desalojados e foram forçados a abandonarem seus lares, surgindo assim as “cidades fantasmas” que se encontram hoje do outro lado da cerca.
A organização Vigilantes foi acionada de imediato. Armas convencionais não eram eficientes contra esses seres, além de causarem um dano desnecessário que pode acabar afetando a população. Então os vigilantes ficaram responsáveis pela segurança dos civis e também impediram o avanço das criaturas.
Após a construção da grande cerca e a guarda constante promovida pela organização, os cidadãos podiam se sentir mais seguros. Aqueles com condições melhores se mudaram daquele lugar de forma definitiva, já outros que não tiveram a mesma sorte residiram por ali mesmo.
Aquela área povoada à beira da cerca seria conhecida como: “Zona de Risco”. Desde então, houve poucos casos de invasão na zona, nesses casos, os Vigilantes agiram rápido, impedindo o menor número de vítimas possível, mas mesmo assim ainda eram acontecimentos desastrosos que abalaram os moradores daquele local.
Eram por volta das 9:30 de um sábado ensolarado. A pequena vila era composta por casas simples e alguns comércios. A igreja no centro da cidade é uma das construções mais antigas, se não, a mais. Ela se destaca das outras estruturas pelo seu tamanho e arquitetura ornamental.
A vila tem um pequeno porto onde os barcos e canoas ficam atracados, muitos desses sendo usados na pesca, sendo a profissão de muitos moradores da vila. Além da pesca, muitos outros trabalham com o turismo, pessoas de todo o país e até do mundo viajavam para lá atrás de conhecer a grande cerca que era tão falada lá fora.
Nos subúrbios da vila vive um senhor com seus 78 anos junto de sua neta. Enquanto os pais da garotinha de apenas 6 anos iam trabalhar, o senhor ficava responsável por ela. Enquanto brincava em seu quarto, a garotinha começou a ouvir latidos vindos do quintal, até aí nada de mais, era comum a cadela da família ladrar ocasionalmente mesmo com a idade avançada, o problema começou quando os latidos roucos deram lugar a ganidos que pararam abruptamente. A menininha correu até seu avô que estava na sala, assistindo tv.
— Vô, vô — berrou a menina repetidamente. — Eu acho que a princesinha tá passando mal, o senhor pode dar uma olhada?
— Oh, minha filha, ela sempre faz isso. Deve ser porque ela não passeou ontem — respondeu o velho, sem tirar os olhos da TV que passava o jornal regional.
— Não, vô, dessa vez é diferente. Por favor, dê uma olhada — insistiu a garotinha.
— Pfff… — suspirou o velho.
Ele estava cansado e sem nenhuma disposição, mas não podia simplesmente ignorar um pedido de sua netinha.
— Tá bom, tá bom, eu vou dar uma olhada — disse o velho com uma voz rouca e cansada.
Ao se levantar com certo esforço de sua cadeira de balanço, o senhor seguiu em direção à cozinha onde a porta que levava ao quintal se encontrava. Ao abrir a grossa porta de madeira, ele sentiu um cheiro forte de carniça de arder os olhos, foi quando se deparou com uma cena que não imaginaria nem em seus piores pesadelos: um rastro de sangue impregnado no chão ia até o canto da parede, onde uma criatura se encontrava.
Era grande, talvez 3 vezes o tamanho de um homem adulto. Estava sentada, virada para parede, produzindo um grunhido baixinho parecido com um choro tímido de uma criança. Sua aparência era tão grotesca quanto a situação em si. Sua pele era esverdeada e coberta por escamas, menos nas costas, onde uma pelugem espessa se seguia até a ponta da sua longa cauda.
O pobre homem estava imóvel, seu cérebro não conseguia processar o que seus olhos enxergavam. Só depois de alguns segundos que ele conseguiu ter alguma reação, começando a fechar a porta lentamente.
Quando faltava pouco para fechar completamente a porta, ele escuta uma voz vindo logo atrás de si.
— A princesa está bem, vovô? — perguntou sua neta, inocentemente, sem ter a menor ideia da situação que se encontrava
— Shiu! — chiou o velho baixinho para sua neta.
Quando ele olhou de volta para o quinta pela fresta da porta, viu a criatura virar a cabeça em sua direção. Ela estava segurando os restos mortais da cadela, enquanto a mastigava com seus enormes dentes protuberantes que pareciam saltar para fora de sua boca.
Seu rosto era longo e magro, parecido com um reptil; sua boca era imensa, podendo caber uma melancia inteira dentro; seus olhos eram vesgos e gigantes, parecendo pular para fora da faca; e seu nariz era longo e curvado. Apesar de suas características animalescas, seus olhos eram estranhamente humanos.
Ao ver que aquilo tinha percebido sua presença, o velho fechou a porta o mais rápido que pode, tentando fechar desesperadamente as trancas da porta logo em seguida, mas tudo aquilo foi em vão, aquela coisa monstruosa avançou em direção à porta, a derrubando em cima do senhor.
A sua neta entrou em desespero e começou a gritar com todas as forças como se aquilo fosse espantar o monstro, mas não ia.
A criatura se forçou na entrada da cozinha, mesmo sendo grande demais para passar pela abertura. Com sua força monstruosa, abriu um rombo na entrada e se pôs em cima da porta caída no chão, esmagando mais ainda o senhor que gemia de dor.
— FUJA! — gritou o velho com todas as suas forças que ainda lhe restavam.
Essas foram as últimas palavras daquele homem antes de ter sua cabeça esmagada pela enorme mão do monstro, um último ato de bravura na tentativa de salvar sua amada neta, era tudo o que ele podia fazer em seus últimos momentos. Jatos de sangue e miolos voaram, sujando o piso branco da cozinha.
Enquanto a aberração estava ocupada com o cadáver de seu avô, a pobre criança correu para fora da sua casa aos berros. Alguns vizinhos, ouvindo aquela algazarra, saíram ao socorro da pobre garota, enquanto outros ligavam para a polícia local acreditando se tratar de um assalto ou algo do tipo.
— O que aconteceu? Você está bem? Onde está seu avô? — perguntavam todos os vizinhos ao mesmo tempo, confundindo ainda mais a cabeça da garota.
Ela mexia sua boca tentando dizer algo, mas sua voz não saia, estava atônita pela cena grotesca que acabara de presenciar. Seu pequeno e antes inocente rosto, agora estampava uma expressão de horror, desespero e raiva por não conseguir fazer nada para ajudar o seu tão querido avô. A garota só conseguiu soltar as palavras que estavam presas em sua garganta quando um dos moradores ia em direção de sua casa, na tentativa de ver o que tinha acontecido.
— Saiam! Tem um monstro dentro da casa! — gritou a garota com todas as forças.
O grito ainda não tinha terminado de ecoar pelo rua quando a frente da casa foi destruída completamente, seguido de um grande estrondo. Uma fumaça de poeira subiu, cobrindo todos em volta, não se conseguia ver nada naquela neblina espessa produzida pelos destroços. Só se conseguia ouvir as tosses roucas daqueles ao redor.
Quando a poeira se dissipou, revelou para todos que estavam em volta a figura demoníaca daquela criatura, que naquele momento, estava devorando o vizinho no qual a garotinha tentou alertar para que não entrasse na casa.
Todos ficaram horrorizados com aquela cena, as crianças gritavam, as mulheres agarravam seus filhos e corriam para longe, os homens pegaram em pedaços de paus ou qualquer coisa que pudesse ser usada como arma para defender suas famílias.
Enquanto tudo isso acontecia, a garotinha assistia aquilo sem reação. Seu rosto, que até poucos segundos expressavam sentimentos profundos de terror, agora encontrava-se sem qualquer tipo de expressão, olhando fixamente para o nada, como se sua alma tivesse sido roubada.
Ali ela ficou, ajoelhada, diante aquela monstruosidade, os adultos corriam ignorando-a, como se fosse um fantasma invisível aos olhos dos vivos. Aquele dia ia ficar marcado na vida de cada um daqueles cidadãos dessa pequena e humilde vila. Muitas vidas iam ser perdidas, lares aniquilados e famílias destruídas pelo mal em sua mais pura forma.