Whitefall: Um invasor gelado em nosso mundo - Capítulo 14
— Eu… realmente preciso fazer isso?
— Ouça. Eu me submeti à um dos piores métodos de tortura da minha raça pra salvar a sua irmã, e você não quer nem atender ao meu simples pedido pra compensar isso?
— Simples?! Você tá me pedindo pra cozinhar a perna de um urso!
— Lilly, quer ajuda com isso?
— Não! você fica sentada aí!
Jogado quase como um estorvo, de costas para uma árvore, Rei observava a repulsa da garota em tentar cortar um pedaço daquele mamífero. Ele nem precisava comer realmente, mas queria dar trabalho à Lilly, apenas por birra.
Aliás, o próprio rapaz parecia fazer parte da vegetação, já que estava todo coberto com folhas. Como um arbusto alienígena.
Já Mia? Bem, agora recuperada, ela voltou a falar bobagem enquanto olhava a pilha de cinzas.
— Rei, agora você é meu pai?
— Espero que você, garota, seja o vale nos gráficos de QI populacional… Porque se tiver alguém mais idiota que você nesse planeta…
— Eu não entendi nada do que você disse… Mas não gostei!
Enquanto Lilly via os dois discutindo, ela começava a suspirar de alívio. Algumas horas atrás, ela pensou que perderia tudo, mas agora, as coisas estavam estranhamente calmas.
Enquanto continuava a cortar o animal, ela sente algo mais firme, numa região que deveria só ter carne magra. Curiosa, ela dá leves cutucadas e afastadas com a pequena faca de bolso, notando algo estranho.
— Rei, o quanto você entende de organismos terrestres?
— Eu sou inteligente, não onisciente. O quanto eu saberia estando aqui há menos de um mês?
— Sabe sobre tumores?
— Malformação celular? Obviamente.
— Então vem ver isso.
— Não! – Exclama Mia, cobrindo o rosto – Não levante daí!
Lilly relembra o motivo pelo qual cobriu Rei com folhas. Digamos que nem tecido terrafryano sobrevive à fogo por horas.
— Tanto faz. Ouça, o urso tinha um tumor. E grande até.
— Eca, não quero comer isso. – Dizia o Terrafryano, cruzando os braços.
— Idiota, leve a sério! Eu quero dizer que-
— Uma provável doença genética? Metaforma instável?
— Sim! Será que transformações são relacionadas ao-
Antes que pudessem continuar, sons de passos podiam ser ouvidos ao redor. Armas engatilhadas e lanternas mais fortes que o fraco sol que surgia no horizonte, miradas em seus rostos.
— Vocês! Para o chão, agora!
×××
— Mas que chatice… Então, são eles?
Um rapaz de pele escura, cabelos e roupas em tom avermelhado e uma expressão chateada olhava para três sujeitos, através de um “vidro espião”.
— E então? Qual a história deles?
— Senhor, as testemunhas dizem que um misterioso transformado os salvou do urso – Dizia o soldado ao seu lado.
— Hm… era um mutante capaz de exterminar alguns soldados armados… o quão forte esse benfeitor deveria ser?
— Além disso, encontramos a garota mais nova e o rapaz ferido. E seu carro, completamente destruído.
— Alguma identificação sobre a identidade deles?
— Eles dizem ser uma família, senhor, sendo três irmãos. Mas, pelo visto, seus documentos estavam no carro, com ênfase no “estavam”.
— Hm…
Mark, O Segundo Sol da AE, estava chateado depois de ser obrigado a ficar horas patrulhando a área pelos céus. Ele nem sabia a aparência daquele que procurava, mas se esse tal “transformado” que abateu o urso, for quem ele pensa…
— Eu vou interrogar o rapaz.
— S-Senhor? Isso não é necessário, não queremos abusar de sua boa-
Antes de qualquer coisa, Mark já estava abrindo a porta, e se posicionando próximo à Rei. Não era exatamente uma sala de interrogatório, e sim mais como uma “enfermaria”. Eles não podiam tratar civis como suspeitos… mesmo que exista uma suspeita.
— Hiik! – O garoto de cabelos azul-escuros se encolhia, em posição fetal.
— E-Ei, calma garotão! – Mark reagiu, surpreso. De certa forma, ele não sentia que receberia uma reação daquelas – Eu não vou te machucar.
— V-Você também é um transformado?! Que nem aquele monstro?! Não se aproxima de mim!
— Relaxa…
Puxando uma cadeira perto da maca improvisada, o Sol adotava uma abordagem mais tranquila. Ele podia ver o quão assustado estava o garoto, que foi encontrado ferido e despido… Pobre coitado, pelo que ele deve ter passado?
— Você… tentou defender suas irmãs?
— D-Defender?
— Severas queimaduras foram encontradas, não só em você, mas no local do ataque. O quão corajoso alguém tem que ser, pra se jogar na frente de um ataque pelas… – Por um leve segundo, Mark sentia ter visto uma expressão de… Nojo?
Não, provavelmente era a sua imaginação.
— E-Eu… posso vê-las?
— Claro, mas em breve, tudo bem? Pela segurança de várias outras como suas irmãs, preciso que me responda certas coisas.
— T-Tudo bem…
— Você tem uma transformação, não têm?
— ?!
Seu disfarce havia sido exposto?
Não, de forma alguma isso seria possível.
Deve ser um jogo, uma armadilha, uma-
— Bem, pra resistir ao ataque de um urso mutante.
— N-Não foi exatamente assim… Eu… levei de raspão.
— Hm… então deve ter sido sorte, não?
“Esse babaca… está tentando jogar iscas. Ele quer me dar uma história, e ver se eu concordo, pra que eu saia como mentiroso… Engana-se, humano! Em Terrafrya eu já passei por in-”
— Alô? – Ele acenava para Rei
— S-Sim!? M-Me perdoe, ainda estou confuso.
“Eu vou esfregar sua cara no chão quando tiver a oportunidade! Me fazendo ter que atuar! Logo eu, o-”
— Sinto que você não está bem.
— N-Não, eu estou ótimo, senhor…?
— Mark, e você?
— Eu sou o grande Re… Red, p-prazer.
“Ah, como eu vou gostar de te matar.”
×××
— E então, como foi?
— Ah, de certa forma foi bom. Só precisei beliscar a Mia várias vezes e…
— Estou falando sobre o interrogatório.
— E eu também! Nos interrogaram juntas.
Isso era… Talvez não acreditaram na ideia de serem irmãos? A possibilidade de não terem achado registros dele no banco de dados nacional era alta mas… Por que não o questionaram sobre isso?
Talvez, as garotas já tenham contado tudo à eles minutos atrás. Afinal, elas teriam mesmo motivos para se arriscarem por ele?
— Vocês… contaram o quê?
— Ah, o básico. Um estranho transformado com poderes de gelo apareceu, e nos salvou.
— Isso! E ele tinha uma voz assustadora.
— Não precisava inventar essa parte, garota.
— Bem, Mia não está inventando nada.
Rei realmente não compreendia muito do que elas estavam falando. Afinal, ele nem mesmo havia se transformado para…
— Argh…
— Rei?!
O Terrafryano dava uma leve cambaleada para trás, em direção à algumas cadeiras de espera naquele corredor. Aproveitando isso, as garotas o ajudaram a se sentar.
— Tudo bem?
— Tá com dor em algum lugar?
— Ah sim eu só… Espera, você não estava mentindo sobre a voz assustadora?
— N-Não, quando você se-
Antes que ele pudesse perguntar sobre qualquer coisa, eles foram interrompidos por Mark, que se aproximava com dois soldados ao seu lado. Uma sensação de alerta extremo percorria Rei, que sentia que seu disfarce havia sido descoberto.
— Com licença – Mark se aproximava – Eu sei que isso é bem chato, mas vamos precisar lhes acompanhar até em casa. Ainda temos algumas perguntas no caminho mas… Não acho que sejam suspeitos, então pretendo os liberar.
— Ufa… – Mia suspirava – Eu já achava que ficaríamos aqui a noite to-
— Mas… Quanto ao seu irmão, queremos que ele se apresente em algumas semanas em qualquer prédio da AE.
— E por qual motivo?
— Nenhum, em específico. – Dizia o Sol, direcionando-se à saída enquanto seus homens os instruíam a fazer o mesmo – Porém, é melhor que venha.
O Segundo Sol… Um título assustador. E agora, Rei levemente sentia o que o levou a receber tal nome. Com um tom passivo agressivo pela primeira vez, o Terrafryano notou que não havia enganado ninguém.
— E caso eu não queira, senhor Mark?
— E-Ei!
De costas, apenas um leve sorriso podia ser visto no rosto de Mark, enquanto olhava de canto para o garoto.
— Caso não queira, terá problemas com a organização que protegeu a terra, e continuará protegendo.
Enquanto se retiram do edifício, os agora três irmãos entram em um carro preto, pertencente à associação. Aquele clima tenso entre ambos, não permitia nem às garotas, nem aos soldados, emitir uma palavra sequer.
Depois que Rei entrou no veículo…
— E se nem um alienígena pôde contra nós, o que você faria?
Com uma brusca batida de porta, o carro dá partida, em direção à residência dos Lane.